quinta-feira, 11 de março de 2010

ϟ Tempestade


Talvez naquela manhã eu não devesse acordar. Talvez devesse sonhar para sempre com aquela noite em que nada aconteceu ─ nada além de uma conversa ─ que era tudo o que eu queria. Mas será que aquilo era realmente tão envolvente, tão absorvente que eu não consegueria mais evitar? Eu esperava que não. Abri meus olhos para encarar aquela bela neblina com um Sol em tom bege batendo na minha janela, pedindo para entrar. Bocejei duas vezes enquanto cambaleava até meu banheiro. Fui interrompida na minha higiene matinal por um zum zum zum vindo do andar de baixo. Quase pulei escadas abaixo para ver o que acontecia. Infelizmente aquele foi o primeiro dia do resto de minha vida ─ James e sua família de um lado e meu pai com outros três Crawleys do outro. Queria entender o que estava acontecendo. Todos encaravam-me, exceto ele. O que estava acontecendo? O Sr. Chamfort deu dois passos e ergueu aquele sorriso sarcástico na minha direção.
─ Evelin Naian MacLahen Crawley, ─ ele sabia meu nome completo? Como assim? ─ é verdade que a senhorita, na noite de ontem, relacionou-se de alguma forma com o Sr. James Alexander Chamfort? ─ eu o encarei e não acreditei na pergunta, fiquei, de fato, boquiaberta.
─ Sim, dançamos juntos. ─ Fui sincera, não imaginei o que isso poderia causar. Mas para meu terror naquele momento James encarou-me na hora em que disse a verdade. Será possível que ele queria que eu mentisse? O Sr. Chamfort agora estava como em glória, sorria de forma absurdamente sádica.
─ Eu acho que tenho tudo que precisava Sr. Crawley. Vejo os senhores em breve.
Ele agarrou James pelo braço e saiu dali com todos os outros gloriosos que naquele recinto encontravam-se. Naquele momento meu pai me encarou e saiu com um de meus tios, em direção ao jardim secreto. Meu primo, Michael Crawley, ficou ali, com um sorriso de quem quer dizer sinto muito mas não consegue. Eu sentei no sofá com as mãos na testa sem entender absolutamente nada do que estava acontecendo. Meus olhos estavam fechados e minha mente mergulhada em pensamentos inúteis de tentar entender. Senti alguém sentar ao meu lado naquele momento e quase bufei, eu realmente não queria conversar com ninguém naquele momento. Talvez com James, mas eu sabia que isso não aconteceria tão cedo.
─ Evelin, eu sei que você não entende o que acabou de acontecer, mas acredite, foi melhor assim. ─ Se ele estava tentando me ajudar o máximo que ele conseguiu foi um esporro muito grande.
─ Mike, eu não entendi e não tô querendo entender nada agora, se você não se importa, lógico. ─ Eu não queria ter sido tão rude, mas infelizmente eu não estava totalmente consciente do que eu estava falando.
─ Eve, seu pai não vai deixar você falar com ninguém dessa cidade tão cedo, então eu contentaria-me com o que você pode ter. ─ Uau! Que pretencioso. Mas ele tinha razão, infelizmente.
─ Me desculpe, Mike...Eu estou com muita raiva! O que foi que eu fiz de tão grave? Dancei com um cara? Ah, por Deus.
─ Realmente, é por Deus.
─ Quê? ─ Como eu queria entender o que o Mike dizia.
─ Nada, tô só de sacanagem. Quer conhecer um lugar? ─ Sim, ele conhecia a mansão que eu morava melhor do que eu mesma. Por que? Vai saber.
─ Vamos, não aguento ficar parada. ─ Levantei e o segui.
Ele foi até a cozinha e abriu a porta que levava até uma sala escura. Nessa hora fiquei curiosa. Ele começava a dar passos fortes de vez em quando, como quem procura algo, até que vi o sorriso formar-se em seu rosto. Ele chutou mais forte aquela parte do chão e aquilo virou uma escada para o sub-solo. Ele sorriu glorioso e desceu. Eu apenas o seguia. Era um lugar muito escuro, eu não estava enxergando. Ele segurou minha mão, acho que para eu não tropeçar. Até que vi uma luz em tom de sépia vindo de um canto escuro da sala. Ele caminhou mais rápido e ao chegar numa lareira levemente apagada ─ que dava a luz fraca ao lugar ─ tocou numa foto e então tudo se acendeu. Centenas de fotos. Quadros e mais quadros e todos eles com uma coisa em comum: Crawley. Eram todos da minha família! Como eu não sabia daquilo? Ele não falou nenhuma palavra, e nem eu. Quando consegui sair da minha profunda introspecção daquilo tudo procurei Mike: ele não estava mais ali. Ouvi alguns passos e então olhei ─ era meu pai.
─ Vê tudo isso? Todas essas fotos? ─ Apenas fiz que sim com a cabeça e fiquei ouvindo. ─ Seu sobrenome, Crawley, não é um sobrenome qualquer. Filha, você faz parte de uma raça de caçadores. O que aconteceu hoje é somente por causa disso, por causa da inveja que causamos em famílias como a dos Chamfort. Eu não estou bravo com você, a culpa não foi sua, e sim do James, ele já sabia disso tudo...
─ PARA! PARA! EU NÃO QUERO OUVIR ISSO! COMO ASSIM CAÇADORES? VOCÊ FICOU LOUCO? ─ Saí correndo dali, caçadores? Ele estava ficando mais louco a cada dia. Fui para meu quarto e peguei uma bolsa grande, coloquei algumas roupas ali e desci as escadas. Ao descer vi meu primo tentando me impedir de ir embora e o empurrei. Fui pega de surpresa ao abrir a porta. Um carro, do outro lado da rua. Era James! Ele olhava para porta da minha casa como quem esperasse. Não pensei nem mesmo uma vez antes de pular para dentro do carro dele. Ele acelerou muito forte. Eu só queria entender tudo aquilo?
─ O que está acontecendo? Por que você estava ali? ─ Estava absorta nas mais profundas dúvidas.
─ Evelin, tudo que posso dizer é que Chamfort e Crawley não se batem desde que vivem em Midgard, e o que fizemos ontem foi como um insulto para minha família.
─ Mas James, a gente só dançou e conversou um pouco.
─ Para eles, eu não poderia nem olhar para você. ─ Fiquei quieta naquele instante. Era tão trágica assim o que acontecia entre nossas famílias?
─ Então, por que você está aqui?
─ Porque cansei de ser um fantoche, mas não se preocupe, não sou o primeiro a desafiá-los. ─ Eu não soube responder. Naquele momento começou a cair uma forte chuva. Eu ouvi aquela frase saindo da boca dele: "Maldito Nept". Quem era Nept? Por que ele falou aquilo quando começou a chover? Ah, sinceramente, eu tinha cansado de tanto perguntar sem nenhuma resposta coerente.
─ Onde vai me levar?
─ Um lugar seguro.
Ele saiu da avenida principal do Vilarejo e entrou num beco e acelerou muito forte. Eu vi a imagem aos lados embaçando, de tanta velocidade que ele atingia. Até que ele me abraçou e então eu fechei os olhos. Ouvindo um canto, seguido da voz de James dizendo para eu abrir os olhos, achei que era seguro. Estávamos num lugar deserto e frio. Tudo que eu via eram algumas cavernas cobertas de neve. Eu estava com uma blusa muito grossa. Fiquei imaginando onde estávamos.
─ Que lugar é esse?
─ Rune-Midgard, aqui nasceram os criadores do nosso Vilarejo muitos anos atrás e também o último lugar em que eles viriam procurar.
Era inacreditável, aquele lugar frio com aquela luz cinza vindo com alguns flocos pequenos de neve do céu. Eu fechei os olhos com a cabeça virada para o alto e respirei aquele ar delicioso. Senti em meu rosto um toque, quente demais para um lugar frio daquele. Desci o olhar e encontrei aqueles profundos olhos que encaravam-me como se quisessem a minha alma. Ele tocou seus lábios devagar em minha testa e soprou um vento quente e gélido: inexplicável. Foi a melhor sensação da minha vida. Quando eu abri os olhos novamente estávamos dentro de uma das cavernas que eu via de longe, ao redor de uma fogueira que falhava de vez em quando. Ele descia seu corpo devagar para deitar-se, puxando-me para que eu deitasse no peito dele. Começou a acariciar o meu cabelo enquanto ficavamos ali conversando, em silêncio em meio aquela tempestade que acontecia no mundo real.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

ϟ Capítulo 1: Máscaras

Lembro-me que o dia estava em seu anoitecer quando eu cheguei ao colégio. Era o meu baile de formatura e eu havia passado as últimas quatro horas no salão. Era incrível como aquele lugar estava maravilhoso. As luzes, a decoração, a música ─ tudo estava em seu perfeito lugar e de perfeita maneira. Talvez fosse pedir demais que ele tivesse convidado a mim como seu par, mas eu estava contente pelo simples fato de poder vê-lo ali, mesmo que com alguém que não sentisse por ele o que eu sinto. Em minha mesa estávamos eu, meus pais e meu irmão.
Antes da cerimônia começar muitos colegas vieram até minha mesa para cumprimentar-me e também aos meus pais ─ eram todos jovens educados, poucas exceções. Exceções estas que não haviam alcançado a média para terminar o ensino médio e que felizmente não estavam aqui para estragar a noite perfeita. Após o jantar a diretora nos chamou e orientou a cada um de nós como devíamos entrar: as meninas primeiro e os meninos depois. Naquele momento ela nos deu um grande abraço, o qual não pude sentir, pois haviam muitas pessoas abraçando-a ao mesmo tempo, mas com certeza ela estava abraçando a cada um de nós, em espírito. A sensação era de euforia quando começou a tocar I Gotta Feeling e então a primeira aluna foi seguida por todos os outros, incluindo a mim. Parecia que éramos celebridades: muitas câmeras e um flash atrás do outro, além das luzes que nos faziam sentir que estávamos entrando em um desfile de moda. Sentamos todos, na ordem de entrada nas cadeiras que encontravam-se ao lado da mesa dos professores. Cada palavra de cada discurso ainda guardo em minha mente, pois foram maravilhosos ─ me fizeram chorar, como uma despedida, como se nunca mais fôssemos estar assim, unidos.
Após os discursos, a nossa coordenadora começou a chamar nome por nome. Consigo me lembrar da sensação que tomou conta de mim quando eu ouvi a diretora dizer: "Evelin Crawley". Foi inexplicável. Eu levantei com meu vestido roxo e fui caminhando sobre o meu salto até a frente da da coordenadora, que me abraçou e entregou o meu diploma. Inevitavelmente eu chorei uma vez mais, aquilo era típico ─ eu era extremamente sensível, a qualquer coisa.
Quando terminou a entrega dos diplomas, o vice-presidente do nosso grêmio estudantil foi até a bancada e disse apenas uma frase: "Hora da festa, galera!". Os berros foram impossíveis de não saltarem das nossas gargantas. O DJ começou a tocar as músicas e fomos todos para a pista, dançar. A primeira parte da festa seria rápida, já que era tradição a escolha do rei e rainha do baile acontecer naquela noite. Após cerca de uma hora de balada o vice-presidente do grêmio foi novamente a bancada, pedindo silêncio desta vez.
─ Pessoal, chegou a hora, a hora de anunciarmos o Rei e a Rainha do baile de formatura deste ano! ─ Foi uma barulheira. Eu conseguia ouvir comentários no meio do pessoal sobre quem seria escolhido e então fui pega de surpresa quando ouvi meu nome ser falado por várias pessoas. Mas para mim não faria sentido ser rainha, se não fosse com ele. Aquele que fazia eu sorrir boba só de me olhar com todo desprezo do mundo com aquela beleza sem igual dele. Não sei o que me fazia sentir aquilo, era demais para que eu pudesse tentar compreender.
─ Primeiro vou anunciar a rainha do baile, ─ ele fez uma pequena pausa mas logo retomou a fala ─ Evelin Crawley! ─ O quê? Eu? Não era possível. Eu era a desajeitada, a garota rejeitada do grupo dos populares, poucos amigos. Subi a bancada ainda sem acreditar que o Ethan Wessex havia anunciado meu nome como Rainha do baile de formatura. Peguei a coroa e o buquê de flores e graças à Deus não fui obrigada a fazer discurso algum. Meus pensamentos foram totalmente interrompidos com a voz de Ethan.
─ Agora o rei, aquele que acompanhará Evelin na primeira valsa dos formandos, ─ eu torcia por um nome. Um nome que era mais do que óbvio que ia ser chamado ─ é ele, James Chamfort! ─ Incrível. O sonho da minha vida, por alguns minutos eu estaria abraçada a James Chamfort em uma valsa que seria inesquecível. Vi ele subir com todo seu desdém para com garotas como eu, mortais. Ele sorriu com seus dentes perfeitos olhando para mim. Se não fosse loucura o olhar dele me desejava. Mas isso era impossível. James e Evelin? Em que mundo? Isso jamais aconteceria. Ele estendeu seu braço e levou-me até o centro da pista de dança. A valsa começara a tocar. Ele me conduzia naquela linda valsa e me surpreendeu quando falou comigo.
─ Evelin, não é? ─ Disse ele com aquela voz maravilhosa que me causava um torpor inexplicável.
─ Si-im, James. ─ Gaguejei, esboçando o sorriso mais idiota que eu podia ter. Que droga, ele ia ver na minha cara como eu era apaixonada e aquilo se tornaria demasiadamente constrangedor.
─ Fica calma, eu não sou tão durão assim. ─ Ele me disse em tom de deboche. Mas até mesmo assim ele ainda me deixava louca. Inevitavelmente eu ri com a frase dele, mas não respondi, apenas o olhei. A música durou muito menos do que eu esperava e novamente, surpreendi-me.
─ Vamos ali, vou pegar uma bebida para você. ─ Disse a voz mais educada do mundo pegando na minha mão e levando-me até o bar improvisado que ficava perto do DJ. Nós dois sentamos e ele pediu dois refrigerantes.
─ Então Evelin, você pareceu surpresa quando foi escolhida como Rainha.
─ Ah...Realmente não esperava. ─ falei toda desajeitada. Que droga! Será que ele podia parar de me causar tantos arrepios para que eu pudesse falar que nem gente com ele.
─ Não sei porquê, sempre achei você muito linda, só que nunca foi confiante. ─ Disse ele agradecendo ao garçom que nos deu os refrigerantes.
─ O que você quer dizer com nunca fui confiante? ─ Como assim nunca fui confiante? Eu estava muito bem até ele começar a falar com aquela voz suave e sedutora.
─ Evelin, uma garota como você, com a sua beleza, precisa parar de se preocupar com o que os outros dizem. Quantas matariam para ter a sua beleza e você que tem fica aí se escondendo atrás de uma carcaça de garotinha que ninguém quer. ─ Aquilo me cortou, como uma faca. Ele estava certo sobre mim, James Chamfort sabia como eu me sentia. Eu precisava responder a altura.
─ Diz o valentão sensível, não é? ─ disse em tom de deboche com ele. Ele riu e eu também. Ele ficou calado depois disso, só me olhou por alguns momentos e me chamou para dançar novamente.
A noite não demorou muito a acabar, quanto menos vimos a festa já estava em seu fim. James tão educadamente havia oferecido-se para levar-me para casa, mas infelizmente o meu pai disse não. Paciência. No fim da festa liguei para o meu pai e fiquei em frente ao colégio esperando, com James ao meu lado. Pouco demorou para meu pai chegar e então despedi-me de James
─ Obrigada...Por essa noite. ─ Disse triste. Não queria que terminasse nunca.
─ A gente se fala. ─ Ele sorriu, e deu um beijo em meu rosto. Fui em glória para o carro do meu pai: o garoto mais desejado e cobiçado do colégio meu deu um beijo no rosto. Ah! Como eu queria gritar agora. Todavia logo deparei-me com meu pai que acelerou forte, sem fazer perguntas e logo estávamos em casa. Fui para o meu quarto e após um bom banho, vesti o pijama joguei-me na cama. Eu só queria sonhar com ele, com aquela noite perfeita.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

ϟ Prólogo


Não fazia mais sentido. Tudo estava em minhas mãos, de forma perfeita. Porém, como o vento derruba as folhas no outono, assim também eles haviam o roubado de mim. Estava pronta para tudo agora, eu iria enfrentar o que fosse para poder olhar nem que fosse por um instante mais, um relance daqueles lindos olhos quase que pretos de tão escuros que me causavam o torpor mais intenso e maravilhoso que eu podia imaginar. Talvez a música que estava ecoando em minha mente nesse momento não era a mais apropiada mas eu realmente estava feliz. Estava feliz por poder ter chegado ao meu extremo por um amor. Isso era amar para mim, me doar sem esperar nada em troca, fazer tudo mesmo que ele não prestasse atenção. Eu estava pronta para ser levada para sempre, e quando eu chegasse lá, no local aonde eles o esconderam eu lutaria com absolutamente tudo em mim para poder realizar o meu desejo, a minha necessidade. Sim, eu precisava daquilo. Se fosse pra morrer, eu tinha que morrer com aquele último momento, aquele olhar que eu não conseguia evitar, nem que tentasse. Era inevitável.